segunda-feira, setembro 11, 2006

Futuro

Original em: 22 de abril de 2006

Pedro cansou das conversas animadas sobre política que aconteciam na mesa - do almoço de domingo - cheia de parentes e foi ao sótão, relembrar do passado contado por sua mãe. Encontrara lá uma caixa antiga, com os livros que sua mãe lera no inicio da vida adulta. Espantou-se com o tanto de livros rotulados “de auto-ajuda”, já que eles não existiam mais; afinal todos tinham acesso a trabalho, educação e lazer de forma medida e moderada, ninguém precisava ler histórias metafóricas para ser um “profissional de sucesso”, termo que Pedro leu na capa de um livro e que nunca escutou na vida.

Na pasta suja de pó rotulada por “documentos”, encontrou o histórico escolar de sua mãe. Ficou confuso com a enormidade de números numa coluna desconhecida: “Notas”. Pedro só conhecia o sistema em que estudava. Ele era aprovado ou não, no número de aulas necessárias para isso. Ninguém precisava ser rotulado por um número, afinal o mercado de trabalho deixou de ser o foco da educação. Estranhou o número de faltas (os amigos de Pedro tinham no estudo um dos maiores prazeres da vida, faltar era motivo de tristeza) e as poucas aulas de filosofia, únicas consideradas indispensáveis no seu currículo. Viu que sua mãe estudou Português durante toda vida escolar. Ficou pasmo, porém lembrou que a criação do sistema de aprendizado teórico automatizado era datada de 2016. Pedro só ia a escola após aprender toda a parte teórica – que lhe era ensinada por meio eletrônico aos sete anos – para ver como utilizar tudo na prática, ver como fazer toda a pilha de conhecimento se transformar em praticidade na vida.

Cansou da papelada burocrática e sentiu uma gota se suor escorrer pela testa, ia abrir a clarabóia quando tropeçou num rolo de papéis-cartão, meio amassado, em claro descuido. Agachou-se e desatou o nó que mantinha a forma cilíndrica do papel. Viu desenhos simples, feitos por sua mãe para a pré-escola. Ficou interessado em saber como evoluiu o lado artístico dela e vasculhou, mas não achou mais nada além de tarefas feitas “sob encomenda” do professor. Estranhou como o mundo era diferente, afinal, uma das matérias com maior importância na escola era a de expressão artística, com oficinas de pintura, música, escrita. Como não viu nenhum instrumento musical, procurou nos cadernos de português os textos onde sua mãe expressava seus sentimentos, porém se decepcionou. Só achou dissertações frias, igualmente “sob encomenda”, que não lhe eram agradáveis. Não entendia como as pessoas viviam se preparando para mostrar o quão economicamente viáveis elas eram. A política - discutida na mesa do andar de baixo - era espontânea, não uma politização forçada que via nos escritos de sua mãe. Entristeceu pela infância estranha que sua mãe teve e guardou tudo, fechou a clarabóia e fora conversar com o primo, que acabara de chegar do teatro – ainda a tempo da sobremesa.

Texto de minha autoria,

em atividade proposta pela

professora Maria Cristina

(Filosofia) da UTFPR.

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